Arrefece no peito esparso alguma saudade estranha –
melancolia insone no centro-eu que se faz verso. Saber ser página de livro:
oscilando entre águas avulsas – a naufragar a garganta como uma melodia doce. São
olhos avessos que não acarinham --- tens dois olhos irregulares, e um terceiro
a chafurdar debaixo do chuveiro roseiras inteiras. São ninhos essas palavras
que não cantam. Encontro entrepeles que fatiga e não dá paz: o roçar ameno
palpita como goteira de torneira velha. Agora são quatro: quatro olhos nus não
desvelando mistério nenhum – pra que tentar se, no fim, a pele toda se dói em
tormenta? Alguns passos a frente e são quatro olhos sorrindo desencontrados –
anybody seen my baby? Ecoam pelas paredes rolling stones cansadas demais... vai
ver era só pressa. E deixou queimada a língua que não sabe ser lenta. Lentoespaçodentro,
alguém já disse, desabando com o fora fora fora real demais.
Mel & Girassóis
domingo, 22 de novembro de 2015
sábado, 7 de novembro de 2015
deixar que as palavras sejam:
são corpos insones de outros corpos
arestas em vértice: pulsam e pululam
palavra é gesto em carne viva
escapando por todos os poros
perpassando a carne abrupta
dançando pelo espaço que lhes cabe
IRRADIANDO
são corpos por outros corpos
passionais – as palavras reverberam
entoam cantos lentos como quem, a
machadadas, sufoca:
manchadas de juntas, as palavras
se são exatamente por ainda não terem
sido
manifestam-se como quem pede perdão
são poesias agudas
que se sofrem ao nascer
deixar que as palavras sejam pelo
espaço que lhes cabe
intensa relação com o meio
o gesto lhes dá forma ao mesmo tempo
que são elas o próprio gesto
corpo de outros corpos
matéria corpórea do próprio corpo
extensões do ser
que ainda não se é
sustentáculo vicioso -
o abismo se
achega como quem não poderia deixar
de se achegar
palavrar é a própria existência das
palavras --- mergulho sem volta
inexatidão de se refletir em qualquer
espelho.
palavra é ato é escrita é gesto
é poesia
sábado, 31 de outubro de 2015
O ruído desavisado debaixo da cama entontece teus mistérios:
fazer rimar as peles como quem canta canções de natal. A linguagem se faz pouca
quando o momento não vem – são dois devires que silenciam quando a noite
amedronta. União de gestos que preenchem do meu vazio ao teu espaço. Folhagem absurda
inunda o sorriso com que seguro as mãos: são belos os encontros que atravessam
a espinha. Vertigem de se ser quem ainda não se é: continuamente florescendo
entre travesseiros e frases interrompidas – mas é rompante que faz gargalhar os
olhos, afrouxar a nuca extensa. O tempo se despedaça a reconstituir altares:
pra quem se parte o instante é bruto, pra quem se chega o momento sufoca:
permanece. E faz cantar dos dedos qualquer coisa que valha – só se vale aquele
que se faz ficar. Então, atrapalha os gestos e rodopia pelo tecido emaranhado
da saia – a saída é só recomeço. Invade os vértices como quem toma uma limonada
em dia de verão: CHEGA! E não se deixa chegar jamais: PARTE! E colore os
instantes com sons nascidos do útero. O processo entontece os dedos: é um
punhado de quentura a brotar das raízes austeras – per ma ne ce e faz do teu
chão algum tipo de lar. Bota teu umbigo na minha orelha e brota: só se rima
quem consente, só se abre quem não se fecha: fenece os ares arredios pra deixar
o carmim pulular da pele – o instante é ser abrasivo: deixa que queime – o incêndio
de peles faz bem à saúde.
quarta-feira, 28 de outubro de 2015
Alguns ventos fraquejando em frente ao mar: ter os cabelos
bem presos na cabeça era alguma força maior que se escancarava – minha franja
insiste em se soltar dos grampos pra golpear a testa. Virei a esquina
saltitante quando mais nenhum rumor era capaz de enfraquecer: soltei os fios
presos na garganta e a melodia de gestos eclodia como balão. --- que fazer com
os corpos que alimentou friamente durante o inverno? São dezenas de bocas e
braços e pernas inchados no espaço ocioso --- te desejo alguns litros de água
salgada pra desopilar os olhos: você enxerga sem se arquejar frente ao
redemoinho? Vou soltando as cordas como quem acorda. E olha. Tua destreza
impressiona, mas não foi por isso que retornei os braços. Vasta exatidão de se
saber cumprir: são tantas as pipas rodopiando pelo céu que nem mesmo consigo
abrir os olhos. Me deparei com alguns tijolos soltando fumaça – a fria casca
dura quando derrete vira açúcar. Teus pesares são duas canetas com bico de pena
tentando furar a carne. Voltou ao ocorrido como se quisesse chamar – mas grita
baixinho pra saber entontecer. Economia de gestos dançando: teu lugar
arborizado na esquina virou parquinho de criança. Alguns meses mais tarde e
decifro pra não devorar: são montantes esses cálculos difíceis que ficam cravados
na cabeça. Era alguma febre chacoalhando o interno (o interno sempre foi mais
denso e pesado) era febre de gestos - e
então se refez pra compor: quando foi que a tua garganta virou ralo de pia? Te
segrego num ímpeto de conquistar. Viro avesso pra fazer caber. Mas não cabe. O
corpo, outrora miúdo, se expandiu pra além das orelhas. O canto murchou com as
rosas que deixei de regar. Não cabe. Não cabe. Não cabe. E esse apelo exímio
bate forte como enxurrada. Faz uma força, libera as gavetas, abaixa essa música
sofrida: o caber é tão inexato quanto o existir. Pra se caber é preciso que se
queira caber. E então – vira a esquina correndo pra avistar. E então –
entontece teus olhos como quem chama. E então- deixa amansar os fios eriçados
da nuca. Teu charme sempre foi fraqueza pros meus joelhos. Eu acalmo e rodopio
pelo lentoespaçodentro --- vou fazer canja pra acarinhar o estômago e mel pra
ver se a língua não regurgita. Os espaços sempre vão deixar esse vão. Até que a
água jorre: meus tornozelos são ásperos como casca de ferida. Mas se abrem em
flor quando ligo o chuveiro. Alguns borrões mais tarde e eis que a pia da
cozinha se põe a borbulhar. Pega o pão e faz lar. Tuas orelhas cheias de rezas
agora são caixas de som. Afasta os fios enlatados e começa a andar: nada mais
faz qualquer sentido quando os olhos não rimam. Alavanca esses desejos
calculados e se deixa caber... não pensar nas rodovias é alguma espécie de
salvação. Abre os peitos como quem quer que os peitos se abram: a magia da
intuição é o momento: se deixa chegar e acalenta...
segunda-feira, 7 de setembro de 2015
Despede o nó da gravata pra ver se afrouxa: é tanto vermelho
insosso dando sopa por aí. Arrebata as veias, corta corta rasga os cálculos só
pra ver até onde o sangue escorre. Segurava a barriga como quem tem frio: o
fruto daquele encontro entreportas só podia mesmo jorrar desgrenhado. É parto
prematuro de coisa que não vale um par de rosas no meio do livro antigo. Afrouxa
o botão do cinto pra ver se desagua: deixa o de dentro do umbigo se esbofetear
por ai, causar tumulto, fazer chorar algumas bocas. É tanto tanto tanto navio
flutuando pela costa dos teus olhos: faço uma prece apressada pra dar sorte:
que seja azul azul azul e proteja. Proteção contra furtos emocionais, você
diria. Mas esse arrepio só faz espinha se contorcer: deixa a água entrar, mas
cuidado. Cavei um poço e de tempos em tempos gravo algumas palavras que nunca
dançam. Rodopiei na boca daquele bueiro pra não cair: sim sim sim, o tempo é de
faca apontada pras orelhas: fecha as mãos e rega... a primavera logo desponta.
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