sábado, 30 de março de 2013


Existe no canto esquerdo da boca uma quase sofreguidão: me posto a coçar, a fim de aliviar esse incômodo. Mas ele só faz aumentar. Com movimentos cada vez mais agressivos arranho o espaço todo que já pertence às bochechas, chegando perto dos olhos. É uma vontade de falar: vontade de vomitar de vez meses de pensamentos que não se findam. Quero jorrar as letras todas para fora, cuspir na primeira coisa que passar por ali naquele instante. Arrebento a pele que une os lábios, enfio mãos e dedos dentro do espaço dos dentes, puxo a pele, tento fazer com que as palavras saiam. Desfiguro-me e não me desentalo. O desespero é tamanho que me ponho a balançar as mãos ensanguentadas de mim no ar: é aí que vejo, é aí que compreendo: minha fala é manual. Minha voz carece na ponta dos dedos, nas veias da palma da mão. Escrevo como quem fala, porque minha escrita é fala: a fala-voz não cabe dentro de mim. É como se as palavras todas pulassem direto da garganta para as mãos. E aí me desarticulo: minha vida toda não existiu senão nos riscos e signos que abdiquei por ai. Sou viva somente enquanto escrita, personagem também desta ficção. Me crio somente no momento em que escrevo. Mas escrever me é uma porta gangrenada.


 - Acordei hoje e algo havia rebentado.

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