Existe no canto esquerdo da boca uma quase sofreguidão: me
posto a coçar, a fim de aliviar esse incômodo. Mas ele só faz aumentar. Com
movimentos cada vez mais agressivos arranho o espaço todo que já pertence às
bochechas, chegando perto dos olhos. É uma vontade de falar: vontade de vomitar
de vez meses de pensamentos que não se findam. Quero jorrar as letras todas
para fora, cuspir na primeira coisa que passar por ali naquele instante.
Arrebento a pele que une os lábios, enfio mãos e dedos dentro do espaço dos
dentes, puxo a pele, tento fazer com que as palavras saiam. Desfiguro-me e não
me desentalo. O desespero é tamanho que me ponho a balançar as mãos
ensanguentadas de mim no ar: é aí que vejo, é aí que compreendo: minha fala é
manual. Minha voz carece na ponta dos dedos, nas veias da palma da mão. Escrevo
como quem fala, porque minha escrita é fala: a fala-voz não cabe dentro de mim.
É como se as palavras todas pulassem direto da garganta para as mãos. E aí me
desarticulo: minha vida toda não existiu senão nos riscos e signos que abdiquei
por ai. Sou viva somente enquanto escrita, personagem também desta ficção. Me
crio somente no momento em que escrevo. Mas escrever me é uma porta gangrenada.
- Acordei hoje e algo
havia rebentado.
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